História e Memória: Migrações do sul para a Transamazônica

Tia Ester Caitano! Como ocorreu a decisão de migrar do Paraná para o Pará em 1978? Sobrinho Joe! meu marido (Daniel Caitano) e teu tio Antonio Caitano eram funcionários federais. Ambos tinham uma vida boa trabalhando como guardas do Banco Nacional. Receberam treinamento em Curitiba. O salário era bom e eu não precisava trabalhar. Ele me levava para o cinema e afins. Eu vivia uma vida de princesa abensonhada. De repente meu marido decidiu ir para a Transamazonica visando ser fazendeiro em parceria com o irmão dele Antonio Caitano. Seduzidos pela propaganda da TV e dos militares, eles pediram demissão daquele emprego e migraram. Eu fui NA MÁRRA, pois mulheres naquela ocasião não tinham voz e nem tampouco poder de decisão. Os maridos decidiam e a gente tinha que aceitar. Viajaram de ônibus? Sim. 7 dias viajando cruzando o Brasil até chegar na "terra prometida". Uma aventura para uma mulher adestrada no sul do Brasil. Um choque também com outra realidade. Como foi o processo de adaptação lá no norte? Ah meu filho!! Nas duas primeiras semanas, eu, tua tia Dalila Emerich (falecida em 2016) comíamos somente banana o dia todo junto com as crianças. Os dois maridos saíam para trabalhar na roça e traziam dinheiro e comida no final do dia. Eles eram diaristas? Creio que sim.. Até comprarem o sítio, tiveram que trabalhar como peões bóias frias. Quando compraram o sítio? Acho que alguns meses depois, os teus dois tios compraram o sítio para pagar em conjunto. Eles trabalhariam e pagariam ao Incra. Meu pai falava superficialmente sobre a morte do tio Daniel, mas sem detalhes. Poderias nos esclarecer sobre aquele trágico fato? Quando teus tios compraram o sítio, eles colocaram gado e plantaram a lavoura para a colheita. Quando tudo estava arrumado, meu marido (Daniel Caitano) faleceu viajando de Kombi voltando de Altamira para Medicilandia. Eu enloqueci. Esperei sair o seguro da morte e imediatamente voltei para o Paraná levando a minha filha e o filho Johnson. Viajamos de onibus do norte até o sul. O ônibus quebrou no caminho, ficamos dois dias parados e faltou comida na estrada. E como foi o recomeço no Sul? Voltamos para Iporã no Paraná e lá a minha sogra e cunhadas foram anjos da guarda para nós naquele difícil recomeço sem o marido provedor. Sustentei os filhos e construí a minha casa trabalhando como zeladora da Igreja. O pastor da Igreja ainda me deu emprego de costureira para ampliar a renda. Fui construindo minha casa aos poucos. E os teus filhos? Minha filha morreu com 19 anos vítima de uma doença. Meu filho Johnson nascido no Pará, ganha a vida como confeiteiro e também construiu a casa dele com muito suor. Como seria a tua vida se o teu marido não migrasse para o norte em 1978? Ah! ele teria me deixado uma excelente pensão caso ele falecesse posteriormente. Ele tinha um bom emprego federal e podia subir de posto seguindo carreira. E se teu marido não tivesse falecido em 1981 no Pará? Provavelmente, estaríamos todos no Pará, pois a morte do meu marido alterou tudo. O projeto de sucesso faliu com a morte do meu marido. Eu fiquei viúva no fundo do poço, teu tio Antonio entrou em depressão, teve que segurar as pontas, se endividou, teve problemas de pressão, teve que trabalhar de bóia fria depois para sustentar os filhos. Ou seja: aquela tragédia foi nocauteadora para todos ali. Você já foi visitar o túmulo do teu marido? Joe! Nunca mais voltei ao Pará. Meu marido foi enterrado no mato. Colocaram uma cruz, mas não havia registros de sepultamento. Havia registro de óbito. Onde os ossos foram sepultados? Somente Deus sabe o local exato. E vocês como estão agora? A vida segue para nós aqui. Desfruto uma vida de vovó que deu a volta por cima. O pior já passou; agora vivemos bem. Viu minha casa e a do meu filho? alto nível, né?? Tia Ester! Muito obrigado pelo depoimento. Para você, filhos e netos, deixo esta citação do saudoso Historiador Eric Hobsbawm: (...) a melhor história é escrita por aqueles perderam algo. Os vencedores pensam que a história terminou bem porque eles estavam certos, ao passo que os perdedores perguntam porque tudo foi diferente, e esta é uma questão muito mais relevante." Eric Hobsbawm (livro Pessoas Extraordinárias). Entrevista realizada em janeiro de 2017 em Umuarama no Paraná. Transamazônica [Transamargura] nas décadas 1970 e 1980: A saga das famílias Caitano e Emerich.
Meu tio Antonio Caitano declarou-me: "Perdi o irmão naquele TRÁGICO acidente no Pará, entrei em depressão e outras doenças; comi o pão que o diabo amassou para continuar vivendo sustentando filhos pequenos. Em 2000, decidi voltar para o Paraná visando escolaridade e estabilidade para meus filhos. Quando a vida estabilizou-se aqui com todos os filhos empregados e com casa própria, perdi a minha esposa Dalila Emerich (40 anos de casamento) num acidente de carro em 2016. Fiquei sem chão novamente, mas não perdi a fé em Deus e em Jesus. Te louvarei, não importam as circunstancias".

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