“Cada Música tem seu valor; umas baseiam-se no aspecto mental, outras na energia motora, a terceira nos aspectos físicos, outras em reações (efeitos) emocionais, e outras é principalmente um produto puramente intelectual. Também na música contemporânea, encontramos todas essas categorias”. (GLOBOKAR, VINKO: Das Verhältnis Von Natur und Kultur als kompositorisches Problem, p. 49 – Livro: Mit Nachdruck: Texte der Darmstädter Ferienkurse für Neue Musik. Editado por Rainer Nonnenmann, 2010) Num dia qualquer no ano 2012 eu cheguei cedo ao Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro para a continuação de minhas pesquisas cinematográficas que venho realizando em forma de hobby Cult naquele acervo suntuoso e monstruoso, naquele espaço mágico onde reinam a imagens-tempos e imagens-movimentos. Antes de entrar na salinha escurinha, corri até o balcão para comprar o ingresso para o espetáculo do grupo de música contemporânea de concerto conhecido como ABSTRAI ENSEMBLE. Ao entrar no teatro II, quem repentinamente apareceu e sentou do meu lado é o professor e compositor Marcos Lucas. O concerto começou com compositor e guitarrista Paulo Dantas falando algo muito sucinto sobre a equipe e a proposta do trabalho. Essa abertura informal é importante para criar interesse no público. Segundo o compositor francês Vinko Globokar: “a fim de alcançar uma comunicação clara com os ouvintes, é necessário primeiro criar condições necessárias no palco” (GLOBOKAR, 2010, p. 50). Em seguida, Pauxy Gentil Nunes foi convidado a esclarecer aspectos técnicos sobre a sua composição Trio (2011) para saxofone, percussão e guitarra. Pauxy, docemente e claramente relatou de forma muito didática e coerente a respeito das fontes inspiradoras e excitadoras da imaginação criativa, bem como, assinalou as fontes que ele utilizou como recursos para o desenvolvimento construtivo da mesma como por exemplo: os batuques dos 3 tambores do jongo mesclado com algumas técnicas usadas por Messiaen e outros. A peça foi dedicada aos músicos Pedro Sá, Pedro Bittencourt e Marcos Campello que em seguida executaram o presente. Depois foi a vez de Daniel Puig ser “intimado” a se explicar sobre a sua peça homônima ABSTRAI, composta especialmente para o grupo. Puig foi aluno de Hans-Joachim Koellreutter, portanto, adora o uso de música que envolva o elemento da improvisação como fundamento chave. Ele explicou que a peça fazia uso da partitura gráfica, apesar de todas as partituras serem gráficas, porém, partitura gráfica nesse contexto, significa que é uma partitura que foge aos padrões de partituras convencionais. Ele continuou ressaltando que era uma obra aberta, pois podia ser executada por qualquer instrumento e qualquer formação, porém, era fechada, pois havia uma delimitação clara sobre o que exatamente os músicos deveriam fazer durante o ato de criação\execução\improvisação. Puig ressaltou que a peça proporcionaria afetabilidades dos interpretes com a partitura, da partitura com os intérpretes, da partitura com a luz que alteraria as percepções e do compositor com o todo, pois nesse tipo de concepção elaborativa, tudo se converge, tudo se mistura e se confunde. Quando os músicos se posicionaram para tocar, as luzes se apagaram sutilmente, ficando apenas um foco luminoso sobre os intérpretes. O efeito visual provocado pelos Lucíferes da teatralidade deu-nos a impressão de um ritual que mostrava uma cantora (Doriana Mendes) comemorando seu aniversário rodeado de músicos que auxiliavam na tentativa de apagamento da vela incandescente enquanto todos rodopiavam incessantemente e programaticamente em torno daquele tambor mágico em forma de mesa redonda sem debates. Não sei se ali era o paraíso ou o infernismo, mas sei que minha memória involuntária me levou ao texto bíblico aonde assinala que naquele local sinistro, o fogo nunca se apaga e o bicho nunca morre. Depois de tanto rodearem aquele bolo em forma de partitura, após, cortarem fatias em forma de tira e re-coloca de partes, aquela música cessou bruscamente como uma morte instantânea. Oscar Niemeyer está certo ao dizer: “a vida é um sopro”. Na terceira peça, Pauxy foi mencionado novamente como compositor e foi esclarecido que a composição Galáxias I (2005\2009) foi uma peça baseada num poema gigantesco de Aroldo de Campos, escrito originalmente para uma formação diferente e estreado na Bienal de Música em 2005, no entanto, a peça sofreu mutações, por isso, foi adaptada e direcionada ao grupo ABSTRAI ENSEMBLE. Linda peça de Pauxy, um mestre da tapeçaria sonora, pois ele costura cada nota para criar um lindo e exuberante tecido musical. A quarta peça se chamou Música para velas e água – Alterar (2011) do compositor Marcos Campello. Mestre Campello, ordenou que descesse um telão, pois a execução dessa peça exigia o auxílio da imagem movimento. Em forma de cinema musical, Campellito obrigou amorosamente os expectadores a acompanhar uma partitura em formato de manchas, nos fazendo pensar em re-adaptações cinematográficas como: trono manchado de notas. Akira Kurosawa adoraria ver aquela tela estimulante para músicos com poder de criação instantânea como: Pauxy (flauta), Paulo Dantas (guitarra) e Campello e seu baixo roncante (quase Ron Carter). Ouvi algumas pessoas dizendo discretamente: “não entendi nada nessa música”. Para se compreender essa peça em forma de cores e sons, é necessário acionar a visão, pois há que se escutar com os olhos ao invés dos ouvidos. Nas palavras de Miles Davis: “a partitura é a pintura dos sons”. Para encerrar o concerto, Pedro Bittencourt convidou seu parceiro Paulo Dantas para elucidar sobre a composição de sua autoria denominada Ab (2011). Ab é um partícula usada na língua alemã que significa „a partir de“. Segundo Prof. Dantas, essa composição foi fruto de uma visita pessoal a cada arquivo vivo humano demasiado humano pertencente ao grupo ABSTRAI. A partir desses encontros e trocas de experiências musicais e afetivas, ele aglutinou matérias e idéias que o impulsionou à construção do todo, através de da costura dos fragmentos. Penso que o jovem Dantas se inspirou nas sábias palavras do guru Edgar Morin: “... eu era movido por aquilo que o tao chama de espírito do vale, “que recebe todas as águas que afluem a ele”. Mas não me vejo como um vale majestoso; vejo-me, antes, como uma abelha que se inebriou de tanto colher o mel de mil flores, para fazer dos diversos polens um único mel”. (EDGAR MORIN, 1997, Livro Meus Demônios). A peça Ab foi executada por todos os músicos num ato de fraternidade e demonstração viva e intensiva da coletividade. Nesta composição final, Paulo Dantas como líder da equipe, nos mostrou que o mais importante para o sucesso de uma realização profissional é ter em mãos um conjunto de músicos coesos, bem entrosados e super amigáveis, pois a sonoridade não é algo abstrato e sem relações humanas, mas a sonoridade Abstraiana é fruto de uma família de som, onde todos os integrantes ceiam juntos na mesma mesa onde emana pão e música. Esse tipo de participação coletiva numa peça conclusiva nos dá a entender, que a música é como uma estrutura de ponte conectiva, porque ela une o que aparentemente estava separado. Dessa forma, Dantas e sua amiga(Ab) entendem que o global é mais que o contexto; é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional. O todo tem qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo. Marcel Mauss dizia: “É preciso recompor o todo.” É preciso efetivamente recompor o todo para conhecer as partes. Daí se tem a virtude cognitiva do princípio de Pascal, no qual a denominação batista deverá se inspirar: “sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas, e sustentando-se todas por um elo natural e insensível que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes”. Parabéns a todos os músicos intérpretes que de forma muito simples, profissional e aconchegante, nos proporcionaram uma noite de singeleza musical. Essa amabilidade em forma de arte foi experienciada por mim quando desci de elevador e ouvi uma mulher perguntando para uma velhinha: “A senhora gostou do concerto”? Ela respondeu: “Amei e adorei, apesar de não ter entendido nada dessas músicas esquisitas. Mas gostei porque meu netinho está tocando no grupo”. Realmente, ver aqueles músicos entrando e saindo, saindo e entrando, trocando de formações num mesmo concerto é um exercício para os olhos e ouvidos. Um verdadeiro ostinato movente. A cena mais marcante foi quando vi o Pedro Bittencourt super sorridente, descer do palco e circular por entre os convidados cumprimentando as pessoas e de forma muito informal, intimou as pessoas a fazerem qualquer pergunta, pois ali era um espaço interativo de ensino e aprendizagem. Esta postura brilhante do líder Bittencourt, destruiu a dicotomia que existe entre músicos na plataforma e convidados na platéia, fazendo com que Jean Pierre Caron e outros levantassem relevantes questões sobre os textos usados pelos compositores e intérpretes. Caron curiosamente garimpou retoricamente aquele campo que ficou um pouco obscuro durante o concerto. Pequenas, objetivas e boas perguntas = campo aberto de possibilidades para GRANDES E CONVINCENTES RESPOSTAS. Congratulations para: Doriana Mendes, Pauxy Gentil-Nunes, Pedro Bittencourt, Marcos Campello, Kátia Baloussier, Larissa Coutrim, Pedro Sá, Daniel Serale, Paulo Dantas, Daniel Puig, Magno Caliman, SEC (Secretaria de Estado e Cultura), CCBB RIO, Sala Cecília Meirelles dirigido por João Guilherme Ripper e outros. Fraternalmente e musicalmente

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